Pesquisa do Instituto Travessia, mostra que brasileiros valorizam recursos naturais e acham que eles requerem mais atenção:
Os brasileiros consideram o meio ambiente um assunto de grande relevância. Questionados sobre com que nota (de zero a 10) classificariam a importância do tema na atualidade, eles cravaram um 9,3. Ou seja, na média, fixaram uma marca próxima do limite máximo da avaliação. Existem ainda núcleos sólidos de insatisfação contra a forma com que o país vem lidando com a questão ambiental. À pergunta sobre como o Brasil cuida do setor (no caso, de seus recursos naturais), 29% responderam “muito mal” e 22%, “mal”. Somados, esses grupos formam uma maioria de descontentes que agrupa 51% da população.
Essa atribuição de um valor significativo ao tema, ainda que submetido a maus-tratos, está presente em uma pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor. A sondagem foi feita nos dias 1º e 2 de junho, a partir de mil entrevistas realizadas por telefone em todo o território nacional.
O levantamento aponta ainda que outros 17% usaram o termo “regular” para definir como o Brasil trata de seu patrimônio natural. Além do mais, 20% disseram que o país vai “bem” e 7%, “muito bem” nesse campo. Assim, a adição das avaliações dos contentes perfaz 27%.
O placar final das opiniões é o seguinte: 51% de críticos severos, ante 27% de satisfeitos, com 17% que ficam no meio do caminho. Renato Dorgan Filho, analista e sócio do Instituto Travessia, considera que, não por acaso, esses números guardam semelhanças com os indicadores de aprovação do governo federal – a instância que, em
última análise, dá o tom para as práticas preservacionistas (ou não) no país. “Ainda que a pesquisa não tenha entrado na seara política, é nítido que o meio ambiente também virou uma fonte para a polarização no Brasil”, diz. “Em grande medida, a pesquisa mostra isso.”
Ela mostra também que a turma dos insatisfeitos (os que optaram por “muito mal”) é majoritariamente composta por mulheres, jovens (com idades entre 16 e 24 anos) e pessoas que ganham cinco ou mais salários mínimos por mês. Os integrantes desse time concentram-se nas regiões Sudeste e Nordeste. Já entre os “satisfeitos” (que escolheram o “muito bem”), predominam homens, pessoas com mais de 60 anos e aqueles que recebem entre dois e cinco mínimos mensais (faixa intermediária de renda). Estes, vivem, em geral, no Norte e no Centro-Oeste – curiosamente, as áreas que abrigam a Amazônia e o Cerrado, focos permanentes de ameaças e crises ambientais.
A enquete revela ainda que o Brasil se divide a respeito de quem deve assumir a responsabilidade pela preservação: 43% disseram que essa é uma obrigação do governo e 39% a atribuíram à população. Os mais pobres foram maioria entre os que apontaram os administradores públicos como responsáveis. Os mais ricos, por sua vez, encabeçaram a lista dos que disseram que essa é uma tarefa da sociedade. Em termos técnicos, porém, há quase um empate entre os dois segmentos (no placar de 43% a 39%): a margem de erro é de três pontos percentuais para cima ou para baixo.
Um segmento bem menor, equivalente a 9% do total, indica que a proteção do ambiente é um dever das empresas. Ainda que o número seja muito inferior aos atribuídos ao governo e à população, isso não exime as companhias de responsabilidade. Longe disso. Segundo a enquete, 89% se mostraram dispostos a diminuir o consumo de produtos e serviços que causem danos ao ambiente. Desse total, 26% afirmaram que já adotaram ações desse tipo e 63%, que pensam em adotar.
Além do mais, a quase totalidade dos entrevistados (93%) estão dispostos a penalizar empresas específicas – e não somente categorias de produtos – por problemas dessa natureza. Nesse caso, 16% afirmaram que já deixaram de comprar um produto de uma companhia cuja atividade foi considerada prejudicial ao ambiente e 73%, que poderiam fazer o mesmo. “A pesquisa não deixa dúvidas sobre a disposição das pessoas para aderir a eventuais boicotes”, observa Dorgan Filho. “Mesmo que a parcela dos que já praticaram essas ações seja pequena, o potencial é grande”.
O analista observa, porém, que no Brasil o espaço para essas represálias encontra barreiras nítidas. É nessa tecla que também bate José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Ele pondera que, por aqui, em geral, é o preço que define o consumo. “Se você colocar na frente das pessoas uma empresa que não respeita o ambiente e outro de uma que respeita, mas é mais caro, a maior parte vai ficar com o primeiro”, pondera Veiga. “Isso é natural em sociedades com as nossas características.”
Pois foi o que a pesquisa também constatou: há uma clara relação entre renda e a prática efetiva de retaliações dessa ordem. Entre os que disseram que já agiram assim contra empresas ou produtos, a maior parte é formada por pessoas que ganham cinco ou mais mínimos por mês. Ou seja, estão entre os mais endinheirados (ainda que não sejam “ricos”, propriamente). No caso dos que “pensam em aderir”, a maioria se encontra entre os que recebem no máximo dois mínimos mensais – os que ocupam a base da pirâmide social.
A nota desastrosa ficou por conta da reciclagem de lixo: 82% disseram que não a praticam. Entre os que mais reciclam estão as mulheres, pessoas com idades entre 25 e 34 anos e os mais abastados. A maior parte vive no Sudeste e no Sul, áreas com, em geral, melhor infraestrutura urbana. Dos que não reciclam os resíduos, a maioria é formada por homens, com 45 anos ou mais (ainda que o número entre 35 a 44 anos também seja expressivo) e que ganham até dois mínimos. Eles residem, notadamente, no Nordeste.
Para complicar, 55% nem sequer sabem se a coleta seletiva de lixo funciona ou não nas cidades ou regiões onde habitam. Para Veiga, é um fato que não chega a ser surpreendente.
Mesmo em bairros nobres de grandes cidades, é difícil saber o que acontece com o lixo depois que é recolhido, ou mesmo, separado”, afirma. “Na verdade, acredito que as pessoas nem poderiam dar uma resposta diferente a essa pergunta.”
Em outra questão, os entrevistados escolheram quais os maiores entraves ambientais enfrentados pelo país, a partir de uma lista pré-definida com cinco itens. O destaque foi a escassez de água, com 42% das escolhas. Em segundo lugar, veio a poluição, com 27%, seguida pelas queimadas e o desmatamento, com 19%. Eventos climáticos extremos foram indicados por 6% e a perda de biodiversidade, por 4%.
Dorgan Filho ressalta que essa ordem reflete os fatos que têm dominado o noticiário. “Nesse caso, a falta de água é o assunto em maior destaque no momento e, por isso, está no topo da relação”, nota. “Essa ordem sempre é muito influenciada pela conjuntura e tudo indica que a média das pessoas ainda não entende bem o significado de termos como ‘eventos climáticos extremos’ ou ‘perda de biodiversidade’.”
Por fim, com base em outra lista com seis temas, as pessoas puderam definir quais deveriam ser as prioridades do governo. Para tanto, deram nota de zero a 10 para cada assunto. A “saúde” ficou em primeiro lugar, com 9,7. Depois vieram “geração de emprego” (9,5), “combate à corrupção” (9,2), além de “educação” e “segurança” (ambas com 9,1). O meio ambiente terminou com 8,9, no último lugar. Para Dorgan Filho, a “saúde” é habitué do topo desses rankings. Seu destaque só aumenta em tempos pandêmicos. O mesmo vale para tópicos como o emprego. “Mas o tema ambiental, ainda que tenha ficado para trás, terminou colado em itens como a educação e a segurança, que há décadas estão presentes entre as maiores preocupações da sociedade”, frisa o analista. “Na prática, isso quer dizer que o assunto está na pauta dos brasileiros. O que é uma informação excelente para o país.”
FONTE: Valor Econômico
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