Conciliar tradição e tecnologia é a complexa missão do ecossistema de inovação mineiro para que seja capaz de evoluir e oferecer ao Estado alternativas de diversificação da economia diante de um inevitável e cada vez mais próximo fim do ciclo da mineração.
A tarefa vem sendo cumprida, ainda que pesem as dificuldades naturais enfrentadas por empreendedores da nova economia em todo o mundo, somadas ao que já ficou conhecido como “risco Brasil”, que reúne problemas de infraestrutura, legislação, financiamento e instabilidade política e econômica.
O Estado é berço de gigantes como Rock Content, Méliuz, Buser e Hotmart. O Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2021, feito pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups) em parceria com a Deloitte, aponta que existem mais de 1.200 startups em Minas, o que representa 9,5% do total brasileiro. Cerca de 25% já receberam investimentos.
Segundo o estudo Doing Business Subnacional Brasil 2021, realizado pelo Banco Mundial, Minas é o estado brasileiro que realiza de forma mais rápida o processo de abertura de novas empresas.
De acordo com a ferramenta Startup Scanner, desenvolvida pela Liga Ventures, a região se destaca pela quantidade de soluções presentes em alguns setores, ficando atrás apenas do estado de São Paulo. No segmento de Energia, por exemplo, 14,71% das startups são de Minas Gerais. O setor de ConstruTechs também se destaca, com 13,51%, seguido pelo setor de Sales Techs, no qual o estado mineiro ocupa a terceira posição em número de startups, com 10,34% das soluções.
O estudo feito pela Abstartups destacou seis cidades mineiras como polos de empresas de base tecnológica: a Capital, que tem como principal comunidade o San Pedro Valley; Uberaba, no Triângulo, com o Zebu Valley; Uberlândia, na mesma região, com o UberHubs; Itajubá, no Sul de Minas, com o Itajubá HardTech; Araguari, no Triângulo, com o Reri Valley; e Juiz de Fora, na Zona da Mata, com o Zero40.
Para o diretor de Comunidades da Abstartups, Danilo Picucci, o ecossistema de inovação mineiro se comporta em relação ao ecossistema nacional de maneira muito similar ao que acontece na economia tradicional. E as cidades com melhores resultados são, justamente, aquelas em que existem políticas públicas e apoio privado ao empreendedorismo digital.
“Existe uma correlação muito forte com a economia nacional, e também os impactos das políticas desenvolvidas pelos governos do Estado e municípios. Cidades que têm ações ou iniciativas públicas são mais fortes. Uberlândia é um caso muito valioso nesse sentido. As grandes empresas, como o Grupo Algar, em Uberlândia, têm um papel importante nesse cenário.
Elas fomentam a geração de soluções ao seu redor e também acabam cedendo profissionais que conhecem profundamente os mercados e seus problemas para se tornarem empreendedores”, explica Picucci.
Na cidade, por exemplo, nasceu a Zup, que atua há mais de 10 anos na transformação digital de grandes organizações do setor de finanças e telecomunicações. Em 2020, ela foi adquirida pelo Banco Itaú, a maior instituição financeira da América Latina.
Em Belo Horizonte, a comunidade San Pedro Valley nasceu a partir da iniciativa de empreendedores que perceberam o potencial de inovação da cidade. Hoje, é auto gerenciada pelas próprias startups, buscando visibilidade, investimento, soluções e novas ideias. A cidade é berço de empresas como a Far.me, primeira plataforma de compra de medicamentos recorrentes no Brasil. A empresa fornece um serviço individual e personalizado para pacientes que utilizam remédios contínuos. Foi fundada em 2018 por três farmacêuticas formadas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E a Track.co, especialista em indicadores de performance da Experiência do Cliente e referência em métricas de monitoramento como Net Promoter Score (NPS), CES, CSAT, Ratings e Like/Dislike. A empresa já impactou mais de 200 milhões de consumidores e 1.500 marcas em 10 países, a partir de uma plataforma completa para o gerenciamento de dados da Experiência do Cliente, além de apresentar a causa raiz dos problemas e oportunidades de crescimento em potencial.
Já na Zona da Mata, a Nvoip, fundada em 2018, oferece ao mercado uma plataforma de comunicação de voz, SMS e API, para pequenas, médias e grandes empresas. Atualmente, a companhia tem clientes em todo território nacional e possui a maior cobertura de telefonia em nuvem do Brasil, chegando a mais de 2.550 municípios brasileiros, além de impactar em mais de 70 países.
O Reri Valley, em Araguari – cidade com cerca de 118 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, é uma comunidade ainda muito jovem, mas que aprende rapidamente com as comunidades ao redor como Uberlândia. Possui startups em fase de validação (50%) e ideação (25%).
“A pandemia revelou a possibilidade real do trabalho remoto para muitos profissionais e empresas que sequer pensavam nessa possibilidade. Por isso, podemos pensar em um desenvolvimento mais capilarizado, onde pessoas e startups podem trabalhar de qualquer lugar, sem precisar migrar para as capitais. O grande desafio das cidades menores agora é o nível de incentivo para as fases iniciais. E, de outro lado, a formação do próprio espírito empreendedor. Nem todo mundo entende o empreendedorismo como uma carreira”, pontua.
Futuro
Setores muito tradicionais da economia mineira, como mineração e agronegócios, também se esforçam para entrar no mundo da inovação. Importantes mineradoras se uniram para criar o Mining Hub, em 2019. Definido como “Uma iniciativa de inovação aberta voltada a todos os integrantes da
cadeia de mineração”, lá as empresas tradicionais lançam desafios e promovem o desenvolvimento de soluções para todo o setor.
“Em setores como esses há uma carência de empreendedores com expertise suficiente. Os profissionais dessas áreas que estão em grandes empresas costumam fazer uma carreira de vida toda lá dentro e não saem para empreender. Ainda assim, iniciativas como o Mining Hub mostram que existe um campo vasto e aberto para quem quiser propor soluções”, afirma.
Além das regiões mapeadas, o executivo já anuncia o crescimento de outras regiões de Minas Gerais como futuros polos de startups. Entre outros, Montes Claros, no Norte de Minas; Viçosa, na Zona da Mata; Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas; e Diamantina, no Vale do Jequitinhonha.
“Algumas cidades já passaram do nível de promessas, como Santa Rita do Sapucaí, muito voltada para ao setor de Telecom, fomentado pela presença do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações). O que acontece é que ‘mineiramente’ muitas cidades não falam muito do que estão fazendo. Acontece algo parecido com Viçosa, por exemplo, onde são feitas muitas coisas interessantes e tem na relação com a Universidade Federal (UFV) um dos seus propulsores. Outras cidades que devem despontar logo, também impulsionadas pelas universidades, são Diamantina e Montes Claros. A cidade do Norte de Minas tem uma comunidade de desenvolvimento muito atuante. Falta só um pouco mais de incentivo para que ela deslanche”, aponta.
Para 2022, a expectativa é que o volume de investimentos em startups no mundo, incluindo o Brasil, continue crescendo e consolidando grandes startups que fizeram IPO e buscaram grandes investimentos internacionais. Outro fator visto com otimismo é a volta dos eventos presenciais.
“Vamos continuar na mesma toada de investimentos, com muito dinheiro fluindo. As empresas que fizeram IPO vão continuar investindo, fazendo aquisições. Também vamos mirar novamente a diversidade dentro do mundo da inovação, como já estava acontecendo em 2019. As startups vão puxar a transformação dos modelos de trabalho. Os jovens não vão mais aceitar um trabalho 100% presencial. E, por fim, temos uma necessidade de olhar para as startups que estão em uma fase inicial. Vão começar a surgir mais programas de fomento e suporte, vindos do governo e da iniciativa privada. Vamos voltar para os eventos presenciais em altíssimo volume. Eles querem voltar a encontrar, a fazer o networking. O on-line leva conteúdo, mas não conexão para empresas e profissionais”, completa o diretor de Comunidades da Abstartups.
Fonte: Diário do comércio
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