O avanço das novas tecnologias e o uso de dados pessoais em aplicativos e em redes sociais criaram uma série de facilidades. Ao mesmo tempo, manter a segurança e a privacidade dos dados pessoais se transformou em desafio. Diante desse cenário foi criada no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Frente à demanda crescente por serviços online e de uso de dados pessoais por empresas e organizações, especialistas alertam para a importância da LGPD na proteção de direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, no Dia Internacional da Proteção de Dados, criado pelo Conselho da Europa.
Entre os pontos principais destacam normas a serem seguidas por empresas e governos para coleta e tratamento de dados pessoais, como nome, CPF, endereço e dados sensíveis como a biometria. Embora vigore desde 18 de setembro de 2020, as sanções previstas em lei começaram a ser aplicadas quase um ano depois: em 1º de agosto de 2021. As empresas precisavam de tempo para se adaptar às exigências.
Além disso, o prazo foi determinado pelo Congresso para que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pudesse regulamentar algumas regras. Inspirada no modelo europeu de Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, a Lei 13.709/2018, que criou a LGPD, dispõe sobre tratamento de dados pessoais inclusive nos meios digitais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, além de estabelecer regras sobre o uso dos dados pessoais.
Docente da Escola Politécnica da PUCRS, Rodrigo Espíndola avalia que as questões envolvendo a privacidade da proteção de dados vêm trazendo preocupação para a sociedade em função do avanço da Internet. Para Espíndola, que leciona disciplinas de computação e Projeto de Banco de Dados e Aprendizado de Máquinas, a LGPD provocou grande impacto. “Um deles é trazer uma
conscientização, levantar essa discussão, provocar a reflexão sobre a importância de se respeitar a privacidade das pessoas, da dignidade humana através da proteção dos dados dessas pessoas”, destacou.
Segundo Espíndola, durante o boom da Internet as pessoas se acostumaram a entregar os dados livremente, não só em redes sociais, mas em lojas e estabelecimentos comerciais. “Todo mundo se acostumou a preencher formulários e entregar seus dados sem muita preocupação. Antigamente, mesmo que uma pessoa parasse para questionar determinado estabelecimento sobre porquê pedir tantos dados, ela não teria nenhuma proteção, nenhum direito formal para impedir que esse estabelecimento pedisse dados excessivos ou utilizasse para qualquer outra finalidade. Agora não, a lei trouxe esses direitos e os estabelece claramente”, pontuou.
Com a nova legislação, as pessoas podem reclamar diretamente para a organização, através do seu encarregado pela proteção de dados pessoais, ou à ANPD. Espíndola afirma que as reclamações sobre uso indevido de dados pessoais também podem ser feitas à Justiça. “Esse é o segundo grande impacto. A LGPD formalizou direitos que antes eram difusos. Na Constituição tem previsão de respeito à privacidade, mas se me senti com a privacidade invadida reclamo onde? Agora temos isso, um órgão de fiscalização, regulador, e as leis específicas que regulam”, observou.
Data para reflexão
Para incentivar a cultura de proteção de dados, o Conselho da Europa criou o Dia Internacional da Proteção de Dados, celebrado em 28 de janeiro, data da Convenção 108 do Conselho da Europa para a Proteção das Pessoas Singulares. É conhecida como “Convenção 108”, de 28 de janeiro de 1981. No Brasil uma série de atividades promovidas pelo governo federal entre os dias 24 e 28, hoje, marca a Semana da Proteção de Dados. “É um bom momento para se tocar no assunto e utilizar a data para promover a conscientização de que temos agora uma lei do nosso lado”, salientou Espíndola, ponderando que há organizações do bem e que trabalham em prol da sociedade. “Essas organizações têm pouco a se preocupar porque são organizações com cultura de respeito à privacidade das pessoas”, salienta.
Por outro lado, avalia que as organizações que agem de “forma predatória” e com descaso devem enfrentar problemas. Ele acrescenta, ainda, que a necessidade de adequação à LGPD pode se revelar uma estratégia para evitar perdas. “Nenhuma organização quer perder dinheiro. É muito mais barato se adaptar do que ter que pagar multa”, compara.
Encarregado do Tratamento de Dados Pessoais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo Hickmann Klein afirma que a LGDP é importante porque complementa a legislação brasileira sobre a proteção de dados. Pesquisador de Qualidade e Fidedignidade de Dados Governamentais e Segurança em Informação, Klein explica que várias legislações tratam sobre sigilo dentro da Constituição de 1988. “Faltava ainda uma legislação que viesse suprir uma hipossuficiência legal em relação a grandes organizações que faziam cadastramento de dados pessoais, como grandes portais da Internet que fazem cadastro de dados pessoais. A gente não tinha como se defender de alguns tipos de tratamento que ocorriam”, explica. Ele citou eleições no exterior marcadas por manipulação da opinião pública e disseminação de fake news.
“Eram muito bem elaboradas e personalizadas para um público alvo através de dados vazados que permitiam identificar esse público alvo”, frisa. A partir desses episódios, a proteção de dados passou a ser tratada como prioridade por alguns países, que apertaram a fiscalização sobre o uso indevido de dados. “Mais de 130 países possuem legislações relacionadas a dados pessoais, entre os quais possuem autoridades nacionais que são agências que regulamentam mais detalhadamente a aplicação dessas leis”, reforça.
Para Klein, a LGPD é complexa. “É muito difícil porque é vasta. São 65 artigos, dez capítulos. E nós, no Brasil, não temos uma cultura tão ampla na proteção de dados pessoais, por exemplo, como a europeia. A gente está resolvendo isso. Então é um trabalho desafiador”, afirma. Mesmo com período longo para adaptação das empresas, as sanções só começaram há pouco mais de cinco meses. “Considero que a lei, como se diz no Brasil, ‘pegou’, temos mais de 600 processos citando determinações da LGPD. E a ANPD recentemente em vídeo informou ter mais de 200 solicitações e indicações de infrações que recebe mensalmente”, pontuou.
Ao destacar que a LGPD complementa alguns direitos que já existiam, Klein avalia que a nova legislação detalha mais algumas situações de aplicação de proteção de dados. “O cidadão não tinha como se proteger tão claramente e isso veio a esclarecer como fazer essa proteção. Por isso surgiu a lei”, concluiu.
Fonte: Correio do Povo
Comentários