Alíquota das contribuições pode ser de 3,65% ou de 9,25% a depender da atividade da empresa

Um novo tema em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem potencial para triplicar a conta de PIS e Cofins a ser paga pelas empresas de tecnologia. O debate gira em torno de qual regime tributário deve ser adotado quando essas companhias têm contrato de licenciamento e cessão de uso de softwares desenvolvidos no exterior.

Numa primeira análise, os conselheiros concordaram com o entendimento da Receita Federal: vale o regime não cumulativo, que tem alíquota de 9,25%. Com isso, afastaram a aplicação do cumulativo, em que paga-se 3,65%.

Essa decisão foi proferida pela 1º Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf, no fim do ano passado, e o acórdão foi publicado há poucos dias. Cinco dos oito conselheiros que compõem a turma consideraram que, nesses casos, há importação de software. Por esse motivo, valeria o regime não cumulativo.

“Se esse entendimento prevalecer, nós teremos um problema setorial grave”, diz a advogada Gisele Bossa, do escritório Demarest, que atua para a empresa envolvida no caso – a SoftwareOne.

O Carf analisou um contrato da companhia com a Microsoft para a distribuição de licença de uso de programas a consumidores brasileiros. Os clientes adquiriam uma chave de acesso e faziam o download diretamente na plataforma da Microsoft.

A autuação analisada pelos conselheiros é antiga – compreende o período de janeiro a dezembro de 2012. Hoje existe tecnologia em nuvem e outros modelos de software que não foram analisados no Carf. Para advogados, no entanto, o conceito de “software importado” pode servir para qualquer das situações.

Segundo a advogada da SoftwareOne, Gisele Bossa, a maioria das companhias do setor recolhe 3,65% de PIS e Cofins.

A discussão, no conselho, se deu em torno Lei nº 10.833, de 2003. Consta no artigo 10º, inciso 25, que as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes de atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso ficam sujeitas ao regime cumulativo – que tem alíquota mais baixa.

Ocorre que o parágrafo 2º estabelece que “o disposto no inciso 25 não alcança a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado”. O cerne da discussão é que nos casos de download e outras tecnologias não há um produto físico – que circula entre países e caracterizaria importação de fato.

“O que existe entre a SoftwareOne e a Microsoft, por exemplo, é um contrato de distribuição”, diz Gisele. “Não se tem uma nacionalização do software. Não tem nada a ver com transferência de tecnologia”, sustenta a advogada para tentar afastar o conceito de importação.

Relator do caso, o conselheiro Laércio Cruz Uliana Junior, que representa os contribuintes na turma, deu razão à empresa. Ele diz, no voto, que a legislação tributária vincula importação à entrada de um bem físico no país. Com download e streaming, por exemplo, isso não acontece.

“Quando a legislação impõe que tribute qualquer fato que tenha ocorrido no exterior, ela não utiliza a expressão ‘importação’, mas sim, algo que redunde a aquisição no exterior, conforme o [parágrafo] 2º do artigo 4º ‘adquiridos de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior”, diz, no voto.

Ele citou, além disso, julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, em que os ministros debateram sobre a tributação do software – se incide ICMS ou ISS – e decidiram contra o imposto estadual por considerar que não se inclui no conceito de mercadoria.

No Carf, prevaleceu, no entanto, o voto do conselheiro Arnaldo Diefenthaeler Dornelles, que representa a Fazenda na turma. “Entendo que quando o parágrafo 2º do artigo 10 da Lei nº 10.833, de 2003, fez menção a ‘software importado’, o fez para se referir o software desenvolvido fora o país e para cá ‘trazido’ por qualquer meio”, afirma no voto. Ele foi acompanhado por outros quatro julgadores.

Especialista na área, Marco Aurélio Veríssimo, sócio do Keppler Advogados, considera a decisão do Carf um “precedente perigosíssimo e com potencial catastrófico para as empresas do setor”. “Ampliou o conceito de importação de software. Tende a culminar na lavratura de diversos autos de infração”, diz.

Especialistas também consideram o impacto financeiro indireto desse posicionamento do Carf sobre as empresas em geral. Se prevalecer, destaca Manuel Eduardo Borges, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, vai tornar “muito mais oneroso o acesso a tecnologia e softwares estrangeiros pelas empresas brasileiras”. Para ele, a Receita confunde cessão ou licença de um programa desenvolvido no exterior com importação.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma, por meio de nota, que para quem realiza “atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software”, aplica-se o regime cumulativo. Mas se houver “comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado”, vale o regime não cumulativo.

A PGFN pondera, no entanto, tratar-se de um tema novo no âmbito do Carf. Por esse motivo, “é preciso aguardar novos casos sobre o assunto para avaliar como a jurisprudência irá se firmar e para quais situações aplica-se o disposto no parágrafo 2º do artigo 10 da Lei 10.833, de 2003”.

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/02/01/decisao-do-carf-triplica-pis-cofins-de-software-desenvolvido-no-exterior.ghtml