De acordo com dados da Associação Brasileira de Startups, são 14 mil startups no Brasil contra 60 milhões de startups nos EUA – há muito para ser explorado ainda; mas entenda qual o melhor caminho
Quem acompanha o ecossistema brasileiro de startups sabe que estamos vivendo um momento promissor, parecido com o que levou os Estados Unidos e a China aos papéis de protagonistas mundiais nesse setor há cerca de uma década. O acelerado processo de digitalização e inovação em curso por aqui, impulsionado nos últimos meses pela pandemia e por um maior fluxo de capital, gerou um verdadeiro boom de negócios de base tecnológica.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Startups, somente nos meses de pandemia, o Brasil ganhou mais de 500 novas startups. Hoje, há cerca de 14 mil em todo o território nacional. Embora mostre o avanço do nosso ecossistema, esses números também confirmam que há muito a ser explorado — para efeito de comparação, os Estados Unidos já ultrapassaram a marca de 60 milhões de startups. Soma-se a isso o fato de que vivemos em um país de dimensões continentais, com mercados ainda pouco tocados pela tecnologia. Com tanto por fazer por aqui, faz sentido criar um negócio já pensando em atuar globalmente?
Se o seu objetivo é criar uma empresa de impacto global, a resposta para essa pergunta pode parecer bastante óbvia. Afinal, muitos dos problemas que existem por aqui se repetem em outros países emergentes. E se uma solução é realmente escalável, a sua aplicação em economias similares se apresenta como um próximo passo natural, esperado até — vale lembrar que, em 2021, vimos diferentes startups mexicanas desembarcando por aqui. Mas há outros elementos que podemos levar em consideração nessa análise.
O primeiro é o que chamamos de Founder Problem Fit, que é uma espécie de avaliação do perfil(s) do(s) fundador(es) do negócio. Nesse estágio, busca-se entender se o objetivo do(s) empreendedor(es) é competir com players globais desde o momento zero ou se o que mais os atrai na jornada é justamente a ideia de desbravar os desafios de execução e se debruçar sobre os problemas operacionais. Não há certo e errado aqui, apenas perfis diferentes.
Há também o fato de que, ao se posicionar como um player global desde o início das operações, a concorrência a ser batida será outra. É bem possível que haja diferentes startups, em mais de um mercado, oferecendo o mesmo serviço ou produto que você, talvez até em estágio de desenvolvimento mais avançado, o que demanda um diferencial mais forte. Você também pode estar inovando em um setor com empresas estabelecidas. Nesse caso, a sua solução precisará funcionar melhor do que qualquer outra que já exista lá fora. Não é impossível, mas é um desafio grandioso.
Outro ponto a ser considerado: ao atacar um problema muito específico da sua cidade, estado ou país, dificilmente você encontrará “pedaços prontos” dessa solução no mercado. Tudo precisará ser feito do zero, o que significa que a dificuldade de execução será maior e você precisará investir mais tempo e recursos em infraestrutura básica. O mais provável é que não seja possível atuar em outros mercados no início. Para dar um exemplo real, na Loft, investimos quase um milhão de horas para criar a infraestrutura básica da empresa. Nosso objetivo era tornar as transações de compra e venda de imóveis mais eficientes e, para isso, contamos com um time de 300 engenheiros.
Por fim, há, ainda, a questão do tamanho do mercado em que se pretende atuar. Quando o foco é resolver uma dificuldade local, muito nichada, é possível que o empreendedor esbarre em um problema de escalabilidade. Talvez não seja possível levar a solução para outras economias, ainda que seja para países emergentes como o Brasil. E, novamente, isso só deve ser visto como um problema se o seu objetivo é criar uma empresa com impacto global. Se esse é o seu caso, o mais recomendado é buscar mercados fortes local e globalmente.
O mercado imobiliário, por exemplo, é o maior mercado de comércio do mundo. Ainda assim, aqui no Brasil, seguia praticamente intocado pela tecnologia até bem pouco tempo. A experiência de compra de um imóvel era tradicionalmente lenta, burocrática e pouco transparente. E esse foi um dos fatores que fez com que eu e meu sócio, Florian, fundássemos a Loft. Nós conhecíamos as dores do mercado — anúncios duplicados, informações equivocadas sobre imóveis anunciados, especulação imobiliária, para citar apenas algumas — e sabíamos que essas dores também eram dores comuns em outros países. Foi natural para nós, portanto, considerar uma expansão internacional desde o início. Temos uma ambição global para a Loft e demos o primeiro passo nessa jornada em outubro do ano passado, quando anunciamos nossa chegada ao México.
Isso significa que você deve escolher seu mercado de atuação ou negócio baseado apenas na oportunidade ou em qual mercado ainda não foi tocado pela inovação? É necessário ter em mente que as jornadas empreendedoras podem ser longas. Podem durar mais de dez anos. Se você escolher um setor com o qual não se identifica ou não tem interesse em aprender mais sobre, muito provavelmente você irá desistir antes mesmo de conquistar um bom resultado.
O mais importante, independentemente de qual for a sua escolha, é você se sentir animado com a perspectiva de vencer o desafio traçado e confortável com o ecossistema em que você escolheu atuar, seja ele São Paulo, Los Angeles ou outro. A decisão é por criar uma startup com ambição global? Diferentes empresas já provaram que é possível criar negócios de impacto a partir do Brasil. A sua empresa pode ser a próxima.
Fonte: Valor Investe
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